Otimização da Análise de Riscos e Planejamento com IA Generativa
A etapa de planejamento é uma das mais críticas no processo de auditoria interna. É nesse momento que se define onde alocar recursos, quais áreas examinar com mais profundidade e quais riscos priorizar. Essa definição, por sua vez, depende diretamente de uma análise de riscos precisa, baseada em dados confiáveis, conhecimento institucional e uma boa dose de julgamento profissional. Tradicionalmente, essa tarefa exige anos de experiência e a habilidade de processar uma quantidade crescente de informações — muitas delas não estruturadas e de difícil análise.
Com o avanço da Inteligência Artificial Generativa, esse processo está passando por uma transformação profunda. A tecnologia oferece recursos que não apenas aumentam a produtividade do auditor, mas também aprimoram a qualidade e o alcance da análise, tornando o planejamento mais proativo, estratégico e baseado em evidências. Em vez de depender apenas da experiência acumulada e de informações estruturadas, é possível agora extrair valor de grandes volumes de dados não estruturados, gerar cenários hipotéticos de risco, e simular impactos com um grau de profundidade até então inacessível.
IA Generativa: da reação à proatividade na auditoria
A IA Generativa, diferentemente de modelos preditivos convencionais, tem a capacidade de produzir conteúdo inédito com base em padrões aprendidos. Isso significa que ela pode redigir relatórios, sugerir hipóteses de risco, gerar perguntas para entrevistas de auditoria e até mesmo propor objetivos e escopos de trabalho. Mas talvez o uso mais impactante esteja na sua capacidade de lidar com dados não estruturados e gerar simulações hipotéticas.
1. Análise de dados não estruturados
Grande parte da informação crítica para a auditoria não se encontra em planilhas ou sistemas transacionais. Ela está dispersa em documentos de texto, e-mails, transcrições de reuniões, atas de comitês, cláusulas contratuais, feedbacks de clientes e políticas internas. Tradicionalmente, essa massa de dados é pouco explorada por limitações de tempo e recursos. A IA Generativa muda esse cenário.
Utilizando modelos treinados para compreensão de linguagem natural, a IA pode examinar milhares de documentos em minutos, identificar padrões de exceção, inconsistências e pontos de atenção. Por exemplo, ao revisar contratos de fornecimento, pode destacar cláusulas que fogem do padrão — como condições de pagamento excessivamente favoráveis a um fornecedor específico — e sinalizar potenciais riscos operacionais, financeiros ou de integridade.
Além disso, ao cruzar dados de múltiplas fontes, a IA pode identificar interconexões entre áreas que não estavam evidentes, revelando riscos emergentes ou acumulados que passariam despercebidos por abordagens tradicionais. Isso proporciona ao auditor uma visão mais sistêmica e abrangente da organização.
2. Geração de cenários e simulações
Outra aplicação de destaque está na construção de cenários de risco hipotéticos, com base nas variáveis do ambiente interno e externo. A IA Generativa pode ser alimentada com informações sobre os principais processos da empresa, as ameaças identificadas, e as condições de mercado — como inflação, mudança regulatória, ou crise política.
A partir daí, o modelo é capaz de gerar descrições plausíveis de situações “e se”: o que aconteceria se um fornecedor estratégico parasse de entregar? E se houvesse uma brecha de segurança em um sistema legado? Quais os impactos financeiros e operacionais de uma nova legislação setorial? Para cada cenário, a IA pode sugerir controles a serem avaliados, indicadores a serem monitorados e planos de contingência a considerar.
Isso permite que a auditoria vá além da retrospectiva e se posicione como parceira estratégica da gestão, contribuindo para a resiliência organizacional e a antecipação de riscos sistêmicos.
Ganhos práticos já observados no mercado
Empresas de diversos setores já estão colhendo os frutos dessa transformação. A WestRock, por exemplo, desenvolveu internamente um assistente de IA Generativa capaz de gerar objetivos de auditoria com base em risco, propor testes de controle e conectar auditores a conteúdos relevantes da organização. Isso reduziu significativamente o tempo gasto no planejamento e aumentou a consistência dos trabalhos.
Na Deloitte UK, o uso da IA PairD triplicou em menos de seis meses. Cerca de 75% dos auditores passaram a usar o chatbot para redigir comunicações, resumir documentos e criar planos de auditoria. Isso liberou tempo dos profissionais seniores e acelerou o desenvolvimento dos juniores, aumentando a produtividade da equipe sem comprometer a qualidade.
Além disso, uma das maiores redes globais de auditoria, a RSM, anunciou um investimento de US$1 bilhão na integração de IA Generativa a seus serviços, visando ganhos substanciais de eficiência e precisão regulatória.
Desafios e responsabilidades
Apesar dos avanços, é fundamental destacar que o uso da IA Generativa na auditoria interna não elimina a necessidade de julgamento humano — pelo contrário, exige ainda mais discernimento, ética e senso crítico por parte dos auditores.
Alguns cuidados fundamentais incluem:
- Qualidade dos dados: a IA só será tão boa quanto os dados que a alimentam. Isso exige investimentos em governança da informação, classificação e segurança.
- Explicabilidade dos modelos: decisões tomadas com apoio da IA precisam ser compreensíveis. Modelos opacos (“caixa preta”) devem ser evitados ou acompanhados de mecanismos de validação.
- Capacitação das equipes: é essencial desenvolver habilidades em IA, pensamento crítico, análise de viés e construção de prompts para que os profissionais utilizem a tecnologia com segurança e responsabilidade.
- Governança da IA: implementar controles específicos para o uso da tecnologia, como trilhas de auditoria, políticas de uso ético, e avaliação contínua de riscos associados aos modelos.
Conclusão
A IA Generativa tem o potencial de transformar profundamente o papel da auditoria interna, especialmente na fase de planejamento. Ela amplia a cobertura, acelera processos, revela riscos ocultos e permite uma abordagem mais preditiva e estratégica. Porém, esse potencial só será plenamente realizado se for acompanhado por boas práticas de governança, preparo técnico das equipes e clareza sobre os limites éticos da tecnologia.A auditoria do futuro não será feita por máquinas, mas será cada vez mais amplificada por elas. Cabe aos profissionais da área aprender a navegar nesse novo cenário, aproveitando o que a IA tem de melhor — sem abrir mão do olhar crítico, da independência e do compromisso com a integridade.