IN TCU 99/2025 e os Novos Desafios da Governança nas EFPC
A governança corporativa nunca esteve tão em evidência no setor de previdência complementar. Afinal, estamos falando da gestão de bilhões de reais em ativos, recursos que garantem não apenas a aposentadoria de milhões de brasileiros, mas também a estabilidade de um sistema essencial para o equilíbrio social. Nesse cenário, a Instrução Normativa TCU nº 99/2025, publicada em março deste ano, representa um marco regulatório decisivo.
Mais do que atualizar exigências, a norma redefine o modo como riscos, auditoria e integridade devem ser tratados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). O que antes era recomendado como “boa prática”, agora passa a ser exigido como condição básica para sustentabilidade.
Um marco na convergência normativa
A IN 99/2025 não surgiu do nada. Ela é fruto de um movimento maior de fortalecimento da governança no Brasil, que conecta diferentes referenciais:
- Decreto nº 11.129/2022: regulamenta a Lei Anticorrupção e estabelece parâmetros claros para programas de integridade, desde o comprometimento da alta gestão até a criação de canais de denúncia.
- Referencial Básico de Governança do TCU: documento consolidado que orienta órgãos públicos e entidades ligadas à União sobre como estruturar seus sistemas de governança, reforçando a integridade como pilar de liderança e a auditoria interna como mecanismo essencial de controle.
Ao se alinhar a esses documentos, a IN 99/2025 cria um elo entre teoria e prática, levando para o universo dos fundos de pensão exigências que já vinham sendo aplicadas em outros contextos da administração pública.
Programas de integridade: de recomendação a obrigação
Se antes falar de integridade era visto como diferencial reputacional, agora é um requisito regulatório.
A norma exige monitoramento contínuo de riscos e avaliação sistemática da conformidade. Isso significa que as EFPC precisam encarar integridade como parte do DNA da organização.
Um programa robusto deve contemplar:
- Mapeamento de riscos detalhado: especialmente em investimentos de alto impacto e na contratação de fornecedores.
- Controles internos sólidos: assegurando segregação de funções, rastreabilidade e transparência em processos críticos.
- Cultura de integridade: mantida com treinamentos regulares, comunicação clara e exemplo da liderança.
- Canais de denúncia confiáveis: seguros, independentes e protegidos contra retaliações, incentivando relatos de irregularidades.
Aqui, vale destacar: programas de integridade não são “papelório”. Eles devem ser vivos, ajustados à realidade da entidade, com revisões periódicas e indicadores de desempenho.
Auditoria interna: a engrenagem do controle contínuo
Outro ponto central da IN 99/2025 é a obrigatoriedade de auditorias anuais em operações com valores mobiliários e na verificação da eficácia dos controles internos.
Na prática, isso muda o papel da auditoria: de atividade burocrática, ela passa a ser elemento estratégico de proteção.
Para atender ao novo padrão, as EFPC precisarão:
- Fortalecer equipes de auditoria interna, garantindo independência, capacitação técnica e recursos.
- Adotar planos de auditoria baseados em risco, priorizando áreas mais vulneráveis e de maior impacto financeiro.
- Assegurar a independência funcional da auditoria, reportando-se diretamente a conselhos deliberativos ou comitês específicos, e não apenas à gestão executiva.
Esse modelo coloca a auditoria em um patamar de confiança organizacional: ela se torna guardiã da credibilidade perante participantes, assistidos e patrocinadores.
Impactos práticos para a governança das EFPC
O efeito combinado das novas exigências pode ser resumido em quatro grandes eixos:
- Transparência: maior clareza nas operações financeiras e nos processos de decisão.
- Confiança: reforço da legitimidade das entidades perante participantes e reguladores.
- Redução de riscos: mitigação de fraudes, corrupção e erros de gestão.
- Cultura organizacional: incorporação de valores éticos e de responsabilidade como prática cotidiana.
É verdade que os desafios não são pequenos. Muitas entidades terão de investir em tecnologia, capacitação e reestruturação de equipes. No entanto, essas adaptações são vistas cada vez mais como investimentos estratégicos e não como custos.
Lições internacionais: por que o Brasil segue uma tendência global
Ao olharmos para mercados mais maduros, vemos que esse movimento não é exclusivo do Brasil.
- Nos Estados Unidos, fundos de pensão privados são fiscalizados pela SEC e contam com rígidos padrões de auditoria, incluindo controles sobre conflitos de interesse e transparência em relatórios de investimentos.
- Na União Europeia, a regulamentação MiFID II trouxe regras para governança de produtos financeiros e conduta de gestores, com foco em proteção de investidores.
- Em países da OCDE, programas de compliance são vistos como pré-requisito para manter a competitividade e o acesso a investimentos globais.
Ou seja: a IN TCU 99/2025 coloca as EFPC brasileiras em sintonia com padrões internacionais de governança.
De obrigação a oportunidade
Ainda que gestores possam encarar a norma como “mais um peso regulatório”, a mudança de mentalidade é essencial.
A IN TCU 99/2025 deve ser vista como porta de entrada para liderança em governança. As entidades que se adaptarem com rapidez e eficiência:
- conquistarão vantagem reputacional no mercado;
- terão maior facilidade em atrair e reter patrocinadores;
- poderão até mesmo influenciar boas práticas para todo o setor.
Ou seja: a norma não é só um checklist de conformidade. É uma oportunidade para se diferenciar positivamente.
Boas práticas para implementação
Para apoiar gestores que já querem dar os primeiros passos, destacamos algumas práticas recomendadas:
- Criar um plano integrado de governança, que una auditoria, compliance e gestão de riscos.
- Estabelecer indicadores de desempenho, acompanhando a efetividade das medidas implementadas.
- Investir em tecnologia de monitoramento e análise de dados, para tornar os controles mais ágeis.
- Capacitar continuamente conselheiros e gestores, garantindo alinhamento com a nova norma.
- Comunicar de forma transparente aos participantes, reforçando a confiança e o senso de proteção.
Conclusão
A publicação da Instrução Normativa TCU 99/2025 é um divisor de águas.
Ela transforma recomendações em obrigações regulatórias, exigindo que as EFPC invistam em programas de integridade robustos e auditorias internas independentes. Mais do que atender ao TCU, trata-se de um movimento para fortalecer ética, transparência e sustentabilidade no sistema previdenciário complementar.
O recado é claro: fundos de pensão que quiserem proteger seus participantes e garantir perenidade devem agir agora.Bem implementadas, essas medidas não são apenas custo regulatório. Elas se tornam ativos estratégicos, capazes de gerar valor, confiança e vantagem competitiva.